11 de fevereiro de 2010

Caninos & cicuta

V





Envolto à tormenta
o trânsito feito
chumbo
estanca o fluxo
das avenidas Seixos
abrem o peito
de uma ave vazia

Um animal morto
alimenta um coro
de formigas -
suas patas reluzem
impressas no vermelho
da ave abatida no céu desabando
sobre um bando de ratazanas
todo fôlego suspenso
da cidade Lâmpadas trêmulas
De acumular folhas
vehas
gotas

ligações
fiadas
no cobre

corre seiva escassa:
o sangue contido pelos algodões:
o peso do mesmo caminho:
aquilo que se:
corpo:
vinte e cinco cascas
pele cuja extensão é carne e cabelos e flores brancas
em um túmulo:
montículo de grama,
galhos, chuva,
luz, fogo:
o lodo das calçadas brinca com pegadas inumanas:
pingando no mapa
a saliva de Proteu:
um borrão
entre os olhos e a estrada: rastros:
de sobressaltar gatos que fogem do abrigo dos toldos
arriscam saltos pelas poças até o alto das carnaúbas e se arrepiam todos
os vidros se partem:
a torneira pinga sete vezes:
um bando de gralhas
histéricas gargalham
suas asas.

Aproximo-me do caule
com a extensão dos meus polegares feita lâmina prata
A enchurrada
dissipa as sombras humanas Então
miro meus passos à sua casa.
Folhas flutuam imóveis
de súbito
toda respiração congela.


o olho de olho
no gato
a chuva ainda ventando
As árvores se curvam para recebê-la
para resistir ao Vento
balançam suas cabeleiras
uivando feito doidas que eram
E somos

passos
passos
até que raiz e
entre os galhos
gato

ajoelho
manchando de máculas
as pernas
esbarrando em pedras
brotando nas coxas
dois coágulos

a raiz limitada pelo cárcere do cimento
Admiro a beleza do meu sangue preto
Rezo uma reza em reza e língua que jamais aprendi
Braços contrapostos e abertos
Exponho os seios
esperando pela investida de um raio que me dispa de peles
Ou o ataque do gato
que em mim dance suas unhas Rezo quieta
lambendo a ponta prolongada dos meus dedos
degustando a curva
do fio afiado que desfia a teia da vida
faz jorrar seu tecido pelas veias libando
a água me chega à virilha
então cravo fundo as unhas na madeira
Viemos do mesmo lugar
sinto correrem juntas nossas seivas
a carne por detrás das unhas vai se abrindo revelando vermelhidão que me excita
e incita a provar seu gosto
morder sua fruta
suco do que se perpassa mulher-árvore perscruta o rabo de um gato
pousado acuado em um galho bambo
ambos sabemos que não há mais nada além
daquela árvore
então abro novo sulco na palma da mão -
libando meu sangue árvore-mulher-felino
nossas retinas reluzem
o peso do nosso corpo
deságua um no outro
chão: sangue chuva
gota de mulher e gato feitos um
a lâmina encontra a cavidade dos seus olhos. Gememos.


[Mas vou ao teu encontro
carrego o presente felino
ofídico
feminino
dos que veem livres dos olhos
O fluxo das águas nos arrasta
quando me deito sobre um pedaço de madeira móvel
teu canto me atrai entre os apelos
gritos de ajuda
como a lua
uma pedra morta Sou água fugídia
desta terra pálida
nela me confundo
para num leito último
encontrar suas raízes bulhosas beber
lava quente
teu gozo no fundo de tudo
tudo que ouço e toco
tudo que me preenche e de mim escapa
babujo sangue alguma saliva algas vermelhas água suja que vem lavar o leito e lápide
dos que vivem dentro de seus cárceres de cimento e carne
de que importa
não lhe saber a forma se te moves através de mim e para mim?
me faço fumaça
em coro àquilo que ecoa nos céus
e em tudo me fundo para me findar do fora
Do que é sombra e dizem luz
Para que se faça noite
Para que exploda em repouso cada estrela
cada movente
Fiapos de plutônio
Entre teus dentes]

Desconheço
visões turvas águas janelas
Como quem chora
minha visão embaçada
só trouxe
o que havia dentro.

Lentamente
o rodopio da madeira da qual me solto:
vou ao encontro das águas frias.
Sinto tua respiração
gelar minha nuca.
Tão perto que poderia tocar teus caninos
Beija meu pescoço
seios
barriga
virilha
Prova o gosto dos meus cabelos
inunda o espaço entre meus dedos
pés
narinas Invade e toma minha vida com teu beijo
E depois
solta.

Como num trago